As verdades de cada um
No início de novembro de 2011, a cidade de Dourados soube de uma morte misteriosa ocorrida naqueles dias. A notícia foi transmitida por dois órgãos de informação locais de maneiras muito diferentes.
O primeiro escreveu: «Na manhã desta sexta-feira, na BR 463, entre as cidades de Dourados e Ponta Porã, o taxista Evandro Dotti de Oliveira fazia uma corrida, levando o passageiro Paulo Gervini Souza, de 61 anos, pesquisador aposentado da Embrapa de Dourados, até a região do Posto Guaíba, onde uma pessoa iria buscá-lo. Ao chegar na ponte do Rio Dourados, o passageiro pediu ao taxista parar para ver o rio, momento em que ele saltou da ponte, deixando apenas o celular. Paulo Gervini Souza morava na Rua Floriano Peixoto, no Jardim Girassol, e, segundo informações, estaria com câncer».
O segundo foi mais cauteloso: «O corpo do pesquisador aposentado da Embrapa, P.G.S, foi encontrado na manhã deste sábado boiando no Rio Dourados. Ontem, por volta das 8h30, ele alugou um taxi para levá-lo até a fronteira com o Paraguai. Segundo o taxista, chegando na ponte do Rio Dourados, na BR-463, ele pediu para o taxista parar porque queria tirar umas fotos. Andando pelas margens do rio, em dado momento, ele caiu no leito. A polícia investiga a causa da morte».
Dependendo da fonte de informação donde tomou conhecimento da notícia, o leitor fica em dúvida sobre a identidade do aposentado e os motivos ou circunstâncias que o levaram à morte.
Costuma-se dizer que o papel aceita qualquer coisa que nele se queira escrever. Eu mesmo, por mais de uma vez, fui influenciado por "meias verdades" difundidas pela imprensa.
Eis um caso concreto. No dia 18 de novembro, dezenas de órgãos de informação do Brasil e do mundo noticiaram que, numa fazenda do município de Aral Moreira, um acampamento indígena havia sofrido um ataque perpetrado por jagunços a serviço dos fazendeiros da região. As notícias eram contraditórias: de acordo com umas fontes, os índios seriam 60; para outras, seu número chegaria a 520. Os criminosos envolvidos no ataque seriam pelo menos 40, respaldados por uma dezena de caminhonetes. Na retirada, após matarem o cacique Nísio Gomes, teriam levado seu cadáver, dois jovens e uma criança. O filho do cacique declarou à Polícia que os pistoleiros que mataram o pai estavam encapuzados, trajavam roupas próprias do exército e que uma das caminhonetes tinha chapa branca.
Um mês depois, a 21 de dezembro, um relatório da Polícia Federal deu do fato uma versão muito diferente - o que levou não poucas pessoas a se perguntarem se as "verdades" repassadas por uns e por outros não estavam sendo contaminadas e manipulados por interesses mais ou menos ocultos.
De acordo com as forças militares, o cacique Nísio Gomes não teria morrido. Ele - ou alguém por ele - teria feito um saque de benefício em Brasília, nos dias seguintes ao "assassinato".
Por sua vez, o filho de Nísio teria mentido no depoimento que prestou à Justiça. Não havia nem caminhonetes nem dezenas de pistoleiros na hora do crime. Os atacantes teriam entrado no acampamento por uma mata das proximidades, e ele os estava esperando: «Restou evidenciado que os indígenas tinham conhecimento antecipado da investida e ficaram aguardando pintados e armados com espingardas, machados e facas».
Por fim, o comunicado da Polícia esclarece que, «durante as investigações, diante dos indícios e provas juntadas aos autos, restou evidenciado que fazendeiros da região e um advogado contrataram pessoas que atuam na área de segurança, vinculadas a uma empresa estabelecida em Dourados, para que retirassem os indígenas do local invadido, mediante grave ameaça».
Nunca foi fácil descobrir e acolher a verdade - e hoje, ainda mais! O pluralismo ético e cultural da sociedade moderna faz com que cada pessoa seja levada a construir uma verdade própria, de acordo com seus interesses. Para chegar à "verdade verdadeira" - como costumava insistir o jornalista Boris Casoy - precisa-se de um longo caminho de conversão, assim sintetizado por Jesus: «Se fordes fiéis à minha palavra, sereis realmente meus discípulos, entendereis a verdade e a verdade vos tornará livres» (Jo 8,32).
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Dom Redovino Rizzardo
Bispo de Dourados (MS)
Fonte: Cleofás
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