domingo, 1 de janeiro de 2012

NOTA SOBRE A CONCELEBRAÇÃO DA SANTA MISSA NO RITO ROMANO NA FORMA ATUAL

NOTA SOBRE A CONCELEBRAÇÃO DA SANTA MISSA NO RITO ROMANO NA FORMA ATUAL - Dom Fernando Arêas Rifan

NOTA SOBRE A CONCELEBRAÇÃO DA SANTA MISSA NO RITO ROMANO NA FORMA ATUAL



Algumas pessoas têm perguntado sobre a participação ocasional e a eventual concelebração minha e de alguns dos nossos padres nas Missas celebradas no Rito de Paulo VI, isto é, na forma ordinária atual do Rito Romano.


A grande maioria dos católicos, com bom senso, compreende perfeitamente que, embora em nossa Administração Apostólica se conserve a liturgia romana no seu uso mais antigo, seja normal que, em determinadas ocasiões, o Bispo e seus sacerdotes possam concelebrar a santa Missa na forma atual, usada habitualmente pelo Papa e por toda a Igreja do rito romano; normal, correto e bom, porque demonstra que somos católicos em plena comunhão com toda a Igreja.


Alguns, no entanto, insinuam que esta presença representaria uma traição à Tradição, quase uma apostasia, uma renúncia a todas as críticas que foram feitas e que se possam fazer à Reforma Litúrgica e todas as suas conseqüências, uma aprovação de tudo que acontece hoje nas Missas, uma abertura ao “progressismo” e, pior, que isso faria parte de um “acordo” prático, não doutrinário, com a Santa Sé. Dada a maldade das suspeitas, insinuações e falsas conclusões, que vão muito além do alcance dos fatos e das intenções e que poderiam abalar pessoas desavisadas, explico a razão doutrinária do nosso proceder, segundo a doutrina católica, e renovo a nota de esclarecimento que já foi emitida em outra ocasião e as explicações já dadas à saciedade em minha Orientação Pastoral sobre o Magistério vivo da Igreja e no meu livro “Considerações sobre as formas do Rito Romano” (cf. www.adapostolica.org).



No que diz respeito à concelebração, o Magistério da Igreja ensina: “a concelebração, que manifesta bem a unidade do sacerdócio, tem sido prática constante até ao dia de hoje, quer no Oriente quer no Ocidente (Sacr. Conc., 57, § 1).
O Papa Bento XVI, na carta de 16 de junho de 2009, em que proclama o Ano Sacerdotal, recorda o ensinamento do Beato João Paulo II de que a comunhão eclesial se manifesta na concelebração eucarística. O mesmo ele repete na carta de 27 de maio de 2007 à Igreja da China, que a concelebração eucarística é sinal de comunhão na Igreja. Essa é uma das razões pelas quais é proibido concelebrar com padres e bispos que não estejam em comunhão com a Sé de Pedro (cf. João Paulo II, Enc. Ecclesia de Eucharistia, 44).


Na instrução “Eucharisticum Mysterium” (nº 47), de 25 de maio de 1967, da Sagrada Congregação dos Ritos, dada no tempo ainda da Missa na forma antiga, aprovada pelo Papa e confirmada pela sua autoridade, explica-se a razão doutrinária da concelebração: “Pela concelebração da Eucaristia manifesta-se, apropriadamente, a unidade do sacrifício e do sacerdócio... Além disso, a concelebração simboliza e estreita os vínculos fraternos entre os presbíteros, pois em virtude da comum e sagrada ordenação e missão, estão unidos entre si por íntima fraternidade... Convém que os sacerdotes celebrem a Eucaristia daquele modo sublime...”.


No decreto “Animarum bonum” de fundação da nossa Administração Apostólica, de 18 de janeiro de 2002, no inciso VI, § 1, se lê: “Os presbíteros e diáconos que até o momento pertencem à União São João Maria Vianney incardinam-se na Administração Apostólica. O Presbitério da Administração é constituído de presbíteros incardinados. Os clérigos por todas as razões pertencem ao clero secular, daí a necessidade de estreita unidade com o Presbitério Diocesano de Campos”. Esta norma, dada pela Santa Sé, foi estabelecida desde a criação da Administração Apostólica.


Segundo esses ensinamentos e o costume atual na Igreja, a concelebração vem a ser um sinal habitual de comunhão. Não é obrigatória, mas recusá-la sistematicamente, por princípio, pode ser indício de não estar em plena comunhão. Por isso, o único sinal de unidade sempre proibido (cânon 908) a um padre oriental não católico, é de concelebrar com um padre católico e reciprocamente, porque tal ato seria o sinal da plena comunhão, não somente sacramental, mas hierárquica, pois se trata de comunhão no sacramento da Ordem. Julgar que não existe nenhuma circunstância em que se pudesse concelebrar segundo o novo rito leva a crer que se pense que a concelebração no novo rito seja intrinsecamente um pecado. Mesmo no Ocidente, ao menos a partir do século XIII, a concelebração, ao menos cerimonial, foi um sinal, às vezes obrigatório, de comunhão com o Bispo local, quando se está no mesmo território que ele.


A Instrução acima citada “Eucharisticum Mysterium” (nº 43) também ensina: “Na celebração da Eucaristia, também os presbíteros, em virtude de um sacramento especial, a Ordem, sejam designados para uma função que lhes é própria. Pois também eles, “como ministros da liturgia, sobretudo no Sacrifício da Missa, representam, de maneira especial, a pessoa de Cristo. Portanto, é conveniente que, por motivo do sinal, eles tomem parte na santa Eucaristia, exercendo a função de sua ordem, isto é, celebrando ou concelebrando a santa Missa e não apenas recebendo a comunhão, como leigos”.


Lembrando a aplicação prática dessa doutrina, o Cardeal Dom Dario Castrillón Hoyos, presidente da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei, no dia 30 de maio de 2008, nos Estados Unidos, no sermão da Missa de Ordenação de padres da Fraternidade São Pedro: “Irmãos, mostrai um profundo respeito pela forma ordinária do Rito Romano concelebrando com vosso Bispo na Missa Crismal da Quinta-Feira Santa; é conveniente de modo particular este sinal de comunhão sacerdotal” (La Croix de 2 de junho de 2008).


Na homilia por ocasião da sua visita à Paróquia São Francisco de Paula de Toulon, na França, de 6 a 7 de dezembro de 2008, o mesmo Cardeal Castrillon ensina aos católicos ligados à liturgia tradicional: “... Mas os fiéis também têm um papel pessoal a desempenhar na abertura necessária da liturgia tradicional. O Papa não deseja que vós vos desligueis da vida de vossa diocese, mas que estejais aí bem inseridos e participeis, sob o impulso de vossos pastores, das grandes atividades da diocese. A concelebração em torno de vosso Bispo, do qual os padres são os primeiros colaboradores, é um dos sinais de comunhão, entre outros; o fato de que vós a pratiqueis em certas ocasiões não pode senão alegrar o Santo Padre. Eu encorajo os vossos padres a continuar neste verdadeiro espírito de caridade eclesial”.


Com relação a minha posição como Bispo, aproveito aqui a ocasião para recordar o ensinamento teológico do caráter colegial do ministério episcopal: “Esta união colegial entre os Bispos funda-se conjuntamente sobre a ordenação episcopal e a comunhão hierárquica; toca, pois a profundidade do ser de cada Bispo e pertence à estrutura da Igreja como foi querida por Jesus Cristo. De fato, ele é constituído na plenitude do ministério episcopal pela consagração episcopal e pela comunhão hierárquica com a Cabeça do Colégio e com os membros, isto é, com o Colégio que sempre inclui a Cabeça. É desta forma que se torna membro do Colégio Episcopal, pelo que as três funções recebidas na ordenação episcopal – santificar, ensinar e governar – devem ser exercidas em comunhão hierárquica, embora de modo distinto pela sua diversa finalidade imediata. Isto constitui o chamado ‘afeto colegial’ ou colegialidade afetiva, de que deriva a solicitude dos Bispos pelas outras Igrejas particulares e pela Igreja universal... Esta natureza colegial do ministério apostólico é querida pelo próprio Cristo. Por isso, o afeto colegial ou colegialidade afetiva vigora sempre entre os Bispos como communio episcoporum, mas é só em alguns atos que se exprime como colegialidade efetiva... A unidade do episcopado é um dos elementos constitutivos da unidade da Igreja...” (Bem-aventurado João Paulo II, Ex. Apost. Pastores Gregis, 8).


Por tudo isso, por ser um bispo católico em situação canônica regular, membro do Episcopado católico, em comunhão com o Santo Padre o Papa, devo demonstrar na prática essa plena comunhão, especialmente em certas ocasiões, na celebração da Santa Missa. Nossa participação e concelebração, portanto, se deve a princípios doutrinários e não apenas à diplomacia, boa convivência e muito menos conivência com erros.


Em nossa Administração Apostólica, como dissemos, por faculdade a nós concedida pela Santa Sé, conservamos o rito da Missa na antiga forma ou forma extraordinária do Rito Romano. Aliás, também o conservam e utilizam muitas congregações religiosas, grupos e milhares de fiéis em todo o mundo, com a diferença de que nós não somos um grupo ou uma Congregação Religiosa, mas sim uma Administração Apostólica, ou seja, uma circunscrição eclesiástica criada pela Santa Sé, equiparada a uma diocese (cânon 368), uma porção do povo de Deus, cujo cuidado pastoral foi confiado a um Bispo, Administrador Apostólico, que a governa em nome do Sumo Pontífice (cânon 371 §2). O Papa vem a ser, portanto, o real Pastor dessa porção do rebanho de Cristo, que é a Administração Apostólica.


Nós amamos, preferimos e conservamos a liturgia romana na sua forma mais antiga por ser, para nós, melhor expressão litúrgica dos dogmas eucarísticos e sólido alimento espiritual, pela sua riqueza, beleza, elevação, nobreza e solenidade das cerimônias, pelo seu senso de sacralidade (1) e reverência, pelo seu sentido de mistério, por sua maior precisão e rigor nas rubricas, apresentando assim mais segurança e proteção contra abusos, não dando espaço a “ambigüidades, liberdades, criatividades, adaptações, reduções e instrumentalizações”, como lamentava o Beato Papa João Paulo II (Enc. Ecclesia de Eucharistia, 10, 52, 61). Por ser uma das riquezas litúrgicas católicas, exprimimos através da Missa na sua forma ritual romana mais antiga o nosso amor pela Santa Igreja e nossa comunhão com ela. Conservamos o venerável rito de São Pio V, mas “cum Petro et sub Petro”, em plena comunhão. E a Santa Sé reconhece essa nossa adesão como perfeitamente legítima, concedendo-nos essa liturgia como própria de nossa Administração Apostólica. Assim, graças a Deus e à Santa Sé, nossos sacerdotes e fiéis podem se unir à Igreja e celebrar o culto divino com esse tesouro litúrgico da Igreja, que é a forma ritual antiga do Rito Romano.


Mas há que se conservar a adesão à tradição litúrgica sem pecar contra a sã doutrina do Magistério e sem jamais ofender a comunhão eclesial. Como escrevi na minha primeira mensagem pastoral de 5 de janeiro de 2003: “Conservemos a Tradição e a Liturgia tradicional, em união com a Hierarquia e o Magistério vivo da Igreja, e não em contraposição a eles”. Jamais, pois, se pode usar a adesão à Liturgia tradicional em espírito de contestação à autoridade da Igreja ou de rompimento de comunhão.


Ensina-nos o Bem-aventurado João Paulo II: “A diversidade litúrgica pode ser fonte de enriquecimento, mas pode também provocar tensões, incompreensões recíprocas e até mesmo cismas. Neste campo, é claro que a diversidade não deve prejudicar a unidade. Esta unidade não pode exprimir-se senão na fidelidade à fé comum ... e à comunhão hierárquica” (2).


Não seria válido, correto nem única razão para se celebrar ou assistir à Missa no rito mais antigo o motivo de se considerar a Nova Missa, isto é, o Novus Ordo Missae, a Missa promulgada pelo Papa Paulo VI, como inválida, ou ilegítima, heterodoxa e, portanto, ilícita. Os sérios e graves motivos doutrinários e práticos que demos acima são suficientes para a nossa adesão à Missa tradicional como nos concedeu a Santa Sé, sem necessitar recorrer a esse argumento que, aliás, seria falso e injusto. E só a verdade e a justiça devem ser a nossa norma nesta luta. Somente a verdade nos fará livres (Jo 8,32).


O fato de termos, em nossa Administração Apostólica, a liturgia de São Pio V como forma ritual própria, conforme nos concedeu a Santa Sé, não significa que não se possa nunca participar da Missa na forma atual, considerando-a assim, na prática, como se fosse inválida, ilegítima ou ilícita, isto é, pecaminosa.


Muitos teólogos e liturgistas, assim como nós, fizeram críticas e tiveram reservas à reforma litúrgica, mas sempre dentro dos limites permitidos pela doutrina católica, dogmática e canônica, e no respeito ao Magistério da Igreja. Esses limites, impostos pela teologia católica às reservas e críticas, nos impedem, assim, de dizer que a Nova Missa seja heterodoxa, ilegítima ou não católica.


Porque se, na teoria ou na prática, considerássemos a Nova Missa, em si mesma, como inválida, sacrílega, heterodoxa ou não católica, pecaminosa e, portanto, ilegítima, deveríamos tirar as lógicas conseqüências teológicas dessa posição e aplicá-la ao Papa e a todo o Episcopado residente no mundo, isto é, a toda a Igreja docente: ou seja, sustentar que a Igreja oficialmente possa promulgar, tenha promulgado, conserve há décadas e ofereça todos os dias a Deus um culto ilegítimo e pecaminoso – proposição reprovada pelo Magistério - e que, portanto, as portas do Inferno tenham prevalecido contra ela, o que seria uma heresia. Ou então estaríamos adotando o princípio sectário de que só nós e os que pensam como nós somos a Igreja e que fora de nós não há salvação, o que seria outra heresia. Essas posições não podem ser aceitas por um católico, nem na teoria nem na prática. Pela teologia católica, a Igreja, pela sua infalibilidade e indefectibilidade, não pode promulgar oficial e universalmente um rito não católico ou prejudicial às almas e, por isso mesmo realmente não o fez.


Ademais uma participação da Missa celebrada na sua forma ordinária não vem significar absolutamente que estejamos aprovando abusos e profanações que ocorrem até com certa freqüência em Missas celebradas no novo rito, “deformações na Liturgia”, na expressão do Papa, “no limite do suportável” (3), lamentados por ele e por nós.


Também não arrefeceu e continua o nosso combate contra as heresias litúrgicas tais como a negação da presença real de Cristo na Eucaristia, a transformação da Missa numa simples ceia, a negação ou o encobrimento do caráter sacrifical e propiciatório da Santa Missa, a confusão entre o sacerdócio ministerial e o sacerdócio comum dos fiéis, a dessacralização da sagrada Liturgia, a falta de veneração, de adoração e de modéstia nos trajes no culto divino, a mundanização da Igreja, etc.
Não é nossa intenção aqui fazer a apologia da reforma litúrgica nem analisar e questionar completamente todos os seus aspectos, mas sim defender o Magistério e a indefectibilidade da Igreja, que continua perene, mesmo com os atuais desastres a que possa ter dado azo a reforma litúrgica. O nosso propósito específico aqui é combater o equívoco doutrinário dos que consideram a nova Missa, como foi promulgada oficialmente pela hierarquia da Igreja, como sendo pecaminosa e, portanto, impossível de ser assistida sem se cometer pecado, e o conseqüente erro prático dos que atacam aqueles que, em determinadas circunstâncias, por dever de ofício ou demonstração de comunhão, dela participam ou a concelebram, como se eles tivessem cometendo uma ofensa a Deus.
A Missa de Paulo VI – a chamada “Nova Missa” - é hoje a forma ritual oficial da Igreja latina, celebrado pelo Papa e por todo o Episcopado Católico. O Santo Padre o Papa Bento XVI afirma: “É preciso antes de mais afirmar que o Missal promulgado por Paulo VI e reeditado em duas sucessivas edições por João Paulo II obviamente é e permanece a forma normal – forma ordinária – da Liturgia Eucarística” da Liturgia romana da Igreja Católica (Carta aos Bispos que acompanha o Motu Proprio Summorum Pontificum ).


A Igreja tem poder de criar e modificar os seus ritos. Assim, sobre “o poder da Igreja sobre a administração do sacramento da Eucaristia”, o Concílio de Trento declara expressamente que “a Igreja sempre teve o poder de, na administração dos sacramentos, salva a substância deles, determinar e mudar aquelas coisas que julgar conveniente à utilidade dos que os recebem ou à veneração dos mesmos sacramentos, segundo a variedade das coisas, tempos e lugares” (Sessão XXI, cap. 2 – Denz-Sh 1728).


É dogma de Fé, definido pelo Concílio Ecumênico Vaticano I, que “esta Sé de São Pedro permanece imune de todo erro, segundo a promessa de Nosso Divino Salvador feita ao Príncipe de Seus Apóstolos: ‘Eu roguei por ti, para que tua Fé não desfaleça; e tu, uma vez convertido, confirma teus irmãos’ (Lc 22,32)”. (4) Esse mesmo Concílio Ecumênico Vaticano I define que “este carisma da verdade e da fé, que nunca falta, foi conferido a Pedro e a seus sucessores nesta cátedra...” (5) .


Conforme legisla o Direito Canônico, pertence exclusivamente à autoridade da Igreja determinar o que é válido e lícito na celebração, administração e recepção dos Sacramentos, pois eles são os mesmos para toda a Igreja e pertencem ao depósito divino (Cf. C.D.C. cânon 841) (6). Seria, portanto, usurpar o lugar da suprema autoridade da Igreja dizer que a Missa no rito romano atual é inválida ou ilícita ou, como alguns dizem, não serve para cumprir o preceito dominical.


O Santo Padre, o Papa Bento XVI, em sua Carta aos Bispos que acompanha o Motu Proprio Summorum Pontificum, afirma expressamente, como sendo algo óbvio: “Obviamente, para viver a plena comunhão, também os sacerdotes das Comunidades que aderem ao uso antigo, não podem, em linha de princípio, excluir a celebração segundo os novos livros. De fato, não seria coerente com o reconhecimento do valor e da santidade do rito a exclusão total do mesmo”.


Está claro, portanto, nas palavras do Santo Padre, que se deve reconhecer o valor e a santidade da nova liturgia, e, em conseqüência, não excluí-la totalmente. Fica, pois, esclarecido pelo Santo Padre o Papa Bento XVI que, embora tenhamos como forma ritual própria da nossa Administração Apostólica a Missa na forma antiga do rito romano, a participação dos fiéis ou concelebração de algum dos nossos sacerdotes ou de seu Bispo, em uma Missa numa forma ritual promulgada oficialmente pela hierarquia da Igreja, por ela determinada como legítima e por ela adotada, como é a Missa celebrada na forma do Rito Romano atual, não pode ser considerado como sendo algo mau ou censurável. Nem isso significa a perda da nossa identidade litúrgica, mas sim uma demonstração de comunhão com os outros Bispos, sacerdotes e fiéis, apesar da diferença de forma ritual.


Porque ninguém pode ser católico mantendo-se numa atitude de recusa de comunhão com o Papa e com o Episcopado católico. A Igreja define como cismático aquele que recusa se submeter ao Romano Pontífice ou se manter em comunhão com os outros membros da Igreja a ele sujeitos (cânon 751). Ora, recusar-se continua e categoricamente a participar de toda e qualquer Missa no rito celebrado pelo Papa e por todos os Bispos da Igreja, pela razão de julgar esse rito, em si mesmo, incompatível com a Fé ou pecaminoso, representa uma recusa formal de comunhão com o Papa e com o Episcopado católico.


E a recente instrução “Universae Ecclesiae”, da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei, publicada com aprovação e mandato do Papa Bento XVI, estabelece explicitamente: “Os fiéis que pedem a celebração da forma extraordinária não devem apoiar nem pertencer a grupos que se manifestam contrários à validade ou à legitimidade da Santa Missa ou dos Sacramentos celebrados na forma ordinária, nem ser contrários ao Romano Pontífice como Pastor Supremo da Igreja universal”.


O critério de verdade, ortodoxia e procedimento que rege nossa Administração Apostólica, como o deve ser para todo católico, é o Magistério vivo da Igreja, como nos ensina São Pio X: “o primeiro e maior critério da fé, a regra suprema e inquebrantável da ortodoxia é a obediência ao magistério sempre vivo e infalível da Igreja, estabelecido por Cristo columna et firmamentum veritatis, a coluna e o sustento da verdade.” (7) . E o Papa venerável Pio XII também ensina que “a norma próxima e universal da verdade” é o “Magistério da Igreja” (8) , explicando a razão: “Porque para explicar as coisas que estão contidas no Depósito da Fé, não foi aos julgamentos privados que o Nosso Salvador as confiou, mas sim ao Magistério Eclesiástico” (9) .


Assim, o que aqui estamos ensinando baseia-se no Magistério vivo da Igreja, nossa segurança e critério de verdade.
Os princípios que sempre defendemos, na linha do Magistério da Igreja, a adesão às verdades da nossa Fé e a rejeição aos erros condenados pela Igreja continuam os mesmos. Houve, porém, em outras circunstâncias e em outro contexto, mesmo de nossa parte, comportamentos e afirmações dissonantes das normas e ensino da Igreja. É preciso examiná-las e retificá-las à luz do Magistério perene e vivo da Igreja, que, repetimos, é o critério de verdade e comportamento para o católico. Alguns podem equivocadamente pensar que o que foi feito, dito ou vivido num período de exceção e irregularidade seja o ideal e o normal para um católico. Não! O normal para todo católico é viver de acordo com o Magistério vivo da Igreja e unido e submisso à sua hierarquia. Não se pode apelar para aqueles antigos comportamentos ou afirmações dissonantes do Magistério, como argumento de terem sido adotados ou feitas antes, como se tais atitudes ou afirmações fossem os únicos critérios de verdade, infalíveis e nunca passíveis de correção e melhor expressão.

Quantos santos, mesmo doutores da Igreja não erraram em doutrina e em comportamento! Por isso, nos ensina Santo Tomás de Aquino que “devemos nos apoiar, antes, na autoridade da Igreja do que na de Agostinho, de Jerônimo ou de qualquer outro doutor” (10).


No maior período da crise, muitos enganos de julgamentos foram provocados por afirmações e ações erradas, que víamos generalizadas, difundidas por quase toda a Igreja, muitos das quais, infelizmente, continuam. Graças a Deus, muitos esclarecimentos magisteriais nos foram dados depois. À luz destes, examinamos se houve algum erro ou exagero no passado quanto às questões acima referidas, que, uma vez reconhecidos, devem ser humildemente corrigidos. Se houve alguma falha em comportamento ou expressões, corrigir-se não é nenhum desdouro. Afinal, errar é humano, perdoar é divino, corrigir-se é cristão e perseverar no erro é diabólico. Mas erros podem ser compreendidos e explicados, por má compreensão ou julgamento equivocado, influências, circunstâncias ou fraquezas humanas, mas não justificados. Santo Tomás de Aquino nos ensina: “Não se pode justificar uma ação má, embora feita com boa intenção” (11)


Há pouco, no final de setembro passado, estive na visita “ad limina”, visita oficial do Bispo ao Papa, quando fui “conferir o meu evangelho com Pedro” (cf. Gl 1,18; 2,2), e pude ouvir o elogio e apoio do Santo Padre Bento XVI à nossa Administração Apostólica e ao nosso modo de agir e nos conduzir. E, na audiência pessoal privativa com o Santo Padre, recordei com ele que aqui conservamos a Missa na forma antiga do Rito Romano, mas que eu, em certas ocasiões, concelebro com os outros Bispos, como, por exemplo, naquela visita “ad limina”. O Papa se mostrou muito contente de que a situação entre a Administração Apostólica, a Diocese e os outros Bispos esteja em paz. E eu disse: “Santo Padre, em paz e em comunhão”, ao que ele respondeu: “Isso é muito importante!”. É o que nos importa: nosso modo de pensar e agir conferido com Pedro e apoiado por ele. E é o que nos consola, em meio a muitas incompreensões e ataques. Mas, felizmente, temos, além do Santo Padre, muitos amigos, católicos corretos e seguidores da verdadeira Tradição, que nos compreendem e apóiam.


Assim sendo, esperamos ter esclarecido os católicos de boa vontade, especialmente aqueles que nos estão confiados e querem realmente seguir a Igreja “cum Petro et sub Petro”.


Campos dos Goytacazes, 29 de junho de 2011


Festa de São Pedro e São Paulo – Dia do Papa.




+ Dom Fernando Arêas Rifan
Bisbo Titular de Cedamusa
Administrador Apostólico da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

Notas:

1- “Se bem que haja numerosos motivos que possam ter levado um grande número de fiéis a encontrar refúgio na liturgia tradicional, o mais importante dentre eles é que eles aí encontram preservada a dignidade do sagrado” (Cardeal Joseph Ratzinger, nosso atual Papa, conferência aos Bispos chilenos, Santiago, 13/7/1988.
2- João Paulo II, carta apostólica Vigesimus quintus annus, n. 16, 4/12/1988.
3- “Muitas pessoas, que aceitavam claramente o carácter vinculante do Concílio Vaticano II e que eram fiéis ao Papa e aos Bispos, desejavam contudo reaver também a forma (anterior), que lhes era cara, da sagrada Liturgia; isto sucedeu antes de mais porque, em muitos lugares, se celebrava não se atendo de maneira fiel às prescrições do novo Missal, antes consideravam-se como que autorizados ou até obrigados à criatividade, o que levou frequentemente a deformações da Liturgia no limite do suportável. Falo por experiência, porque também eu vivi aquele período com todas as suas expectativas e confusões. E vi como foram profundamente feridas, pelas deformações arbitrárias da Liturgia, pessoas que estavam totalmente radicadas na fé da Igreja” (Bento XVI, Carta aos Bispos que acompanha o Motu Proprio Summorum Pontificum).
4- Concílio Ecum. Vaticano I, Const, Dog. “Pastor Aeternus”, sobre a Igreja de Cristo, D-S 3070 e 3071
5- Idem, ibidem.
6- Cânon 841: “Já que os sacramentos são os mesmos para toda a Igreja e pertencem ao depósito divino, compete unicamente à suprema autoridade da Igreja aprovar ou definir os requisitos para sua validade, e cabe a ela ou a outra autoridade competente, de acordo com o cân. 838, §§ 3 e 4, determinar o que se refere à sua celebração, administração e recepção lícita, e à ordem a ser observada em sua celebração”.
7- Alocução “Cum vera soddisfazione”, de 10/5/1909.
8- Encíclica Humani Generis, n. 18.
9- Carta do Santo Ofício ao Arcebispo de Boston, D. 3866.
10- Summa Theologica, II-II, q. 10, a.12.
11- Santo Tomás de Aquino, Decem praec. 6 (apud C.I.C. 1759).

Fonte: Adapostólica

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