São Sebastião, jovem discípulo de Jesus Cristo!
Dom Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
A Igreja apresenta-nos, neste dia 20 de janeiro, a pessoa de São Sebastião para cultuá-lo como mártir. A festa de nosso querido padroeiro São Sebastião ensina-nos que ele morreu para não renegar a fé em Jesus Cristo. Soldado imperial de Narbona (Gália) ou de Milão, segundo nos relata Santo Ambrósio, sofreu o martírio em Roma, em testemunho de sua fé em Cristo, na época do Imperador Diocleciano.
O culto ininterrupto a ele prestado mostra o lugar de sua sepultura no cemitério da antiga Via Ápia, nas catacumbas de São Sebastião. A Igreja de Roma sempre lhe reservou um lugar privilegiado na iconografia e na Liturgia. A iconografia retrata-o no ato do martírio, basta contemplarmos sua imagem, tão querida de nosso povo carioca – Sebastião está crivado de flechas numa árvore. Contudo, poder-se-ia perguntar: por que a Igreja celebra a memória litúrgica dos mártires? E qual o sentido desta festa para nossa fé?
Para tanto, ser-nos-ia necessário aprofundar na própria história do cristianismo a resposta para a mesma. Etimologicamente a palavra mártir origina-se do grego μάρτυς (martys), "testemunha", este é uma pessoa que morre por sua fé, testemunha, não o masoquismo da dor, do sofrimento, da morte, mas da própria essência de Deus Trindade, que é kenótica. Ou seja, nosso Deus é esvaziamento, é descida por Amor. Em suma, ser mártir é testemunhar com a própria vida o mistério kenótico do Amor de Jesus na cruz.
Pode-se traçar um itinerário do martírio na própria Escritura, quando Caim, que matou seu irmão Abel; José foi vendido como escravo por seus irmãos porque ele compartilhou seu sonho de Deus, que estava a ser exaltado acima de seus irmãos, sem nos olvidar dos profetas do Antigo Testamento que conheceram o escárnio, a dor, a morte. Estas personagens são tipologias do que aconteceu com Jesus, Ele é o grande mártir da história humana, pois testemunha a essência de Deus, que é Amor-doação.
Assim, pode-se pensar nas tipologias e analogia entre Cristo e Sebastião: ambos mortos pelas autoridades constituídas, num madeiro (árvore/cruz) e despidos. Por isto, a Liturgia apresenta aos fiéis a memória dos mártires, que são, na verdade, ícones vivos da Páscoa de Jesus.
Jesus mesmo adverte: "Vede, eu vos envio profetas, sábios, doutores. Matareis e crucificareis uns e açoitareis outros nas vossas sinagogas. Persegui-los-eis de cidade em cidade, para que caia sobre vós todos o sangue inocente derramado sobre a terra, desde o sangue de Abel, o justo, até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a quem matastes entre o templo e o altar” (Mt 23, 34-35). Os mártires testemunham a relação entre o Templo e o altar, pois o altar é o lugar simbólico-sacramental do sacrifício, mas sacrifício de Amor. Os cristãos que foram “testemunhas” do Cristo altar tornaram-se ícones do Altar-Amor de Cristo, trazendo em seus corpos os sinais do Crucificado. Por isto, ensina-nos a teologia litúrgica: Cristo é o Altar, o novo-Templo, edificado não por mãos humanas (carta aos Hebreus), mas feita por nós, batizados-crismados, que fomos mortos com Ele para ressuscitarmos Nele. Assim, a memória de São Sebastião convida-nos a sermos fiéis na nossa Iniciação Cristã, pois somos, com os santos, mártires e doutores da Igreja, corpo de Cristo – Igreja, altar e templos vivos, sinais do Deus Amor.
Por isto, o então Cardeal Ratzinger em sua obra: “Introdução ao Espírito da Liturgia”, corrobora o costume antigo da Igreja de celebrar a Eucaristia em cima dos túmulos dos mártires, estabelecendo esta relação entre o Corpo de Cristo e o corpo do mártir.
Após o período de perseguições dos romanos, que terminou no ano 313 com a Paz de Constantino (Edito de Milão), os cristãos começaram, então, a construir capelas e igrejas sobre os túmulos dos mártires, mas antes celebravam clandestinamente a Eucaristia nas catacumbas. Daí, o costume de na Dedicação do Altar o Ritual Romano prever a colocação de uma relíquia.
O primeiro modelo de cristão a ser cultuado pelos fiéis foi o do mártir. Este, desde cedo, foi tido como o imitador mais perfeito de Cristo, já que o Senhor disse que “ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13).
Distinguindo-se do culto dos pagãos, que tributavam esta apoteose exclusivamente aos Imperadores e aos membros e protegidos da família imperial, os cristãos, ao contrário, reconhecem como santos tanto reis e pontífices como irmãos mais simples, como o cozinheiro São Benedito. Assim, Sebastião é modelo de seguimento de Cristo. Em consonância com a Conferência de Aparecida, que nos convida a ser discípulos e missionários, queremos assumir o seguimento que gera discipulado e missionariedade em nossa Arquidiocese.
Sebastião, soldado da milícia Romana, torna-se militante de Cristo, carregando em seu corpo os sinais preclaros da cruz de Cristo, configurando-se ao Mestre e Senhor, sendo seu seguidor. O seu nome deriva do grego “sebastós”, que significa venerável. Como uma profecia, seu nome anunciava o que seria com a morte – venerável.
Neste ano, nosso trezenário, com as suas peregrinações, nos levou a refletir sobre “São Sebastião, jovem discípulo de Jesus Cristo!” Sim, na festa do padroeiro e patrono de nossa amada cidade e Arquidiocese, queremos convidar nossos fiéis, particularmente os jovens, ao discipulado de Jesus Cristo, como nosso excelso padroeiro, que não temeu a morte e mesmo diante dela disse: Eu creio em Jesus Cristo, o Senhor! Não tenho medo da morte, porque o Vivente, Jesus, caminha comigo e é vida plena!
Contemplando o Cristo Redentor no alto do Corcovado, queremos, como Povo de Deus, suplicar pela intercessão de São Sebastião a proteção da Cidade, da Arquidiocese do Rio de Janeiro, da Jornada Mundial da Juventude com o Papa em 2013 e de todo o povo brasileiro.
Louvado seja Deus que nos deu Jesus Cristo – mártir por excelência do Amor aos homens! E corroboramos juntos, como discípulos-missionários, com nosso irmão São Sebastião: “Antes de ser oficial do Imperador, sou soldado de Cristo”. Amém.
Fonte: CNBB
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