sábado, 21 de junho de 2014

Dia de Corpus Christi - Mistério insondável

Dia desses, fui à Missa e, olhando a Eucaristia, me pus a meditar..
A Eucaristia é Deus. Às vezes, a gente acha que entende o que é isso, mas não entende. Qualquer conceito que possamos ter de Deus, por mais elevado que seja, é sempre analógico e nunca literal. O que Ele é nos escapa. Por isso dizemos apenas que Ele é.
Neste sentido, escreveu S. Gregório de Nissa, na sua Vida de Moisés:
"Todo conceito formado pelo entendimento para tentar atingir e abranger a natureza divina não consegue mais do que forjar um ídolo de Deus, em vez de fazer conhecê-Lo."
Qualquer teologia que suponha poder dizer estritamente quem é Deus torna-se herética no ato mesmo de pretendê-lo. Quem é Deus? Não sabemos. As nossas afirmações d'Ele são sempre comparativas.
Se não sabemos isto, como pretendemos entender o fenômeno da Eucaristia? Simplesmente, não dá.. Podemos ter uma Fé profunda de que Deus está ali, mas a Fé é justamente a "visão obscura", o "ver confusamente" de que fala S. Paulo. Por isso, a Sta Edith Stein costumava dizer que a Eucaristia é "o pão seco dos fortes", pois é preciso ser forte, no sentido de vencer a nossa tendência natural de exigir comprovações e gostos sensíveis, como fazem as crianças com os alimentos, para encontrar ali o Cristo. Sta Faustina Kowalska dizia o mesmo: "A fé firme rasga este véu". E é assim mesmo que Deus o quer, pois diz São Paulo: "O justo vive pela fé" e "sem fé é impossível agradar a Deus." Jesus o exprime de modo claro: "Felizes os que crêem sem ter visto", e Tomás de Aquino, o doutor angélico, por sua vez, escreve em que consiste esta força: "Se não vês nem compreendes, gosto e vista tu transcendes, elevado pela Fé." (Lauda Sion)
A Fé, portanto, não indica um bloqueio no sentido de nos deixar aquém daquilo que é percebido pelos sentidos. Pelo contrário, a Fé nos leva além deles, a um tipo de conhecimento que é tão intenso e se aproxima tanto da luz que, antes, nos ofusca. Mas, ao nos ofuscar, nos ilumina e nos prepara, gradativamente, para a visão. Os olhos incandescidos tendem a adaptar-se aos poucos à luz. A Eucaristia, exigindo-nos a Fé, nos prepara para a visão beatífica.
A Eucaristia é Deus. Ao dizê-lo, abre-se diante de nós um abismo de horizontes infinitos. Como esgotá-lo com o entendimento? Não dá. Os sentidos não o apreendem. A razão apenas assente. E, no entanto, Deus verdadeiramente Se dá, e nós O recebemos, e O comemos.
Deus é a raiz mesma da realidade. É a realidade por si mesma subsistente. É a realidade real por excelência. Duvidar da Eucaristia, portanto, é um contrassenso, pois é duvidar daquilo que é mais verdadeiro que qualquer verdade que conhecemos. Sob as espécies do Pão e do Vinho está aquele que disse: "Eu sou a Verdade" (Ego Sum Veritas).
Nós, que vivemos num mundo efêmero e frágil, que passa como um piscar de olhos, que é um momento entre duas eternidades, como bem o disse Sta Teresinha de Lisieux, ao receber a Eucaristia, recebemos Aquele que É, que não é suscetível de mudanças, que criou e sustenta todas as criaturas; Aquele ao qual tudo o que existe deve sua existência. Comemo-Lo e, ao fazê-Lo, sofremos uma espécie de adensamento da realidade. Nos tornamos mais nós mesmos, pois estamos comendo a própria Verdade. A Eucaristia, portanto, reforça o nosso ser, e tenderá necessariamente a iluminar a inteligência, permitindo-nos conhecê-Lo e conhecer-nos. Conhecer-nos é a raiz da humildade, que é início de qualquer virtude. A Eucaristia, assim, é causa eficiente de uma profunda dinâmica interior que culminará na santidade ou perfeita identificação com o Cristo, se o permitirmos. Não é outra coisa o que Ele mesmo diz a Sto. Agostinho:
"Ao comer-Me, não és tu que Me transformas em ti, mas Eu que te transformo em Mim."
Que mistério.. Uma criatura, abismo de nada, recebe em si mesma Aquele que é o tudo. Como pode um buraco na areia receber o oceano? Deus não pode, depois de recebido, não abrir a amplitude interior da alma, não torná-la grande, não estendê-la ao infinito, não dispô-la a Si. Se o recipiente torna o recebido semelhante a si, aqui se dá o inverso: é o recebido que adapta o recipiente. 
Neste dia de Corpus Christi, nós possamos contemplar o mistério absolutamente inefável da Eucaristia, o amor e a humildade vertiginosos que se comprimem ali, naquelas aparências tão vizinhas do nada, como dizia Sta Teresa D'Avila, e aceitar o fato de que não O vemos nem O entendemos. Não desejemos vê-Lo nem compreender tal mistério. Desejemos apenas amá-Lo e acreditar na Fé que nos diz que, naquele pequeno objeto frágil, magra hóstia branca, há um sobre-excesso de ser, uma raiz de eternidade, ou, como diziam os antigos, o remédio de imortalidade, pois, "quem come a Minha carne e bebe o Meu sangue tem a vida eterna." (Jo 6,54)
Fábio
 

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