terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Como Frei Leão só pode dizer o contrário do que São Francisco queria

Como Frei Leão só pode dizer o contrário do que São Francisco queria



Estando uma vez São Francisco, no princípio da Ordem, com Frei Leão em um convento, onde não havia livro para rezar o ofício divino, ao chegar a hora de Matinas, disse São Francisco a Frei Leão:

“Caríssimo, não temos breviário, com que possamos rezar Matinas: mas, a fim de passarmos o tempo louvando a Deus, eu direi e tu me responderás como te ensinar; e toma cuidado, não digas as palavras de modo diverso do que te ensinar’.

Direi assim: ‘Õ irmão Francisco, praticaste tanto mal, tais pecados no século que és digno do inferno’; e tu, irmão Leão, responderás: ‘Verdadeira coisa é que mereces o inferno profundíssimo’

‒ E Frei Leão, com simplicidade columbina, respondeu: “Estou pronto, pai, começa em nome de Deus”.



Então São Francisco começou a dizer: “Ó irmão Francisco, praticaste tantos males e tantos pecados no século, que és digno do inferno”. E Frei Leão respondeu:

‒ “Deus fará por ti tantos bens, que irás ao paraíso”.

Disse São Francisco: “Não digas assim, irmão Leão; mas quando eu disser: ‘Irmão Francisco, praticaste tanta coisa iníqua contra Deus, que és digno de ser maldito por Deus’, responderás: ‘Em verdade és digno de ficar mesmo entre os malditos”‘.

E Frei Leão respondeu: “De boa mente, pai”.

Então São Francisco, entre muitas lágrimas e suspiros e a bater no peito, disse em altas vozes: “Ó meu Senhor do céu e da terra; cometi contra ti tantas iniqüidades e tantos pecados que por isso sou digno de ser amaldiçoado por ti”.

E Frei Leão respondeu:

‒ “Ó irmão Francisco, Deus te fará tal, que entre os benditos serás singularmente bendito”.

E São Francisco, maravilhando-se de Frei Leão responder sempre o contrário do que ele havia ordenado, repreendeu-o, dizendo: “Por que não respondes como te ensino? Ordeno-te, pela santa obediência, que respondas como te ensinar”.

Direi assim: ‘O irmão Francisco miserável, pensas tu que Deus há de ter misericórdia de ti; não é tão certo que tens cometido tantos pecados contra o Pai da misericórdia e o Deus de toda consolação, de modo que não és digno de encontrar misericórdia?’

E tu, irmão Leão, ovelhinha, responderás: ‘De nenhum modo és digno de alcançar misericórdia”‘. Mas depois, quando São Francisco disse: “O irmão Francisco miserável”, etc., então Frei Leão respondeu:

‒ “Deus Pai, cuja misericórdia é infinita mais do que o teu pecado, fará em ti grande misericórdia e te encherá de muitas graças”.

A esta resposta São Francisco docemente irritado e pacientemente perturbado disse a Frei Leão: “Por que tiveste a presunção de ir contra a obediência, e por tantas vezes respondeste o contrário do que te impus?”

Respondeu Frei Leão muito humilde e reverentemente:

‒ “Deus o sabe, pai meu, que cada vez tive vontade de responder como me ordenaste: mas Deus me fez falar como quis e não como eu queria”.

Do que São Francisco se maravilhou e disse a Frei Leão: “Peço-te afetuosamente que desta vez me respondas como te disser”.

Respondeu Frei Leão: “Dize em nome de Deus, que por certo responderei desta vez como queres”.

E São Francisco, entre lágrimas, disse: “Ó irmão Francisco miserável, pensas que Deus terá misericórdia de ti?”

Responde Frei Leão:

‒ “Antes grandes graças receberás de Deus e serás exaltado e glorificado na eternidade, porque quem se humilha será exaltado: e eu não posso dizer de outro modo, porque Deus fala pela minha boca”.

E assim nesta humilde contenda, com muitas lágrimas e muita consolação espiritual, velaram até ao amanhecer.

Em louvor de Cristo. Amém.

Fonte: Contos e Lendas da Era Medieval

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